sexta-feira, 13 de abril de 2012

São Luís, Maranhão, Brasil, 13-04-2012

De regresso à pousada apanho um táxi: está a chover e, se bem a fase demencial da coisa já tenha passado ainda é demasiado para ir de mota. O taxista queixa-se de que já não chove como antigamente. "Aqui, os meses em que chove mais são Março e Abril" explica. "Dantes chovia directo. Agora veja, passou três dias sem chover". Não é bem verdade, tem chovido todos os dias, ou quase; mas não vale a pena combater a ideia de que o clima está a mudar e muito menos a de que dantes é que era.

Queixar é o verbo certo: o Nordeste (suponho que grande parte do Brasil) é essencialmente rural. As pessoas, apesar de viverem numa cidade que fica inundada mal caem dois pingos de água - enfim, talvez sejam precisos mais do que dois pingos - gostam da chuva, e olham para mim como se fosse um extraterrestre quando lhes digo que odeio chuva. É como se lhes dissesse que o Brasil não é o melhor país do mundo.

Hoje disse-o a uma miúda numa agência de viagens. Ela é que começou: perguntou-me se "estava gostando da cidade" e eu disse "mais ou menos". "Mais ou menos?" O olhar foi eloquente. "O que está faltando?" "Ruas limpas, prédios em boas condições, bom cheiro nas ruas, menos miséria..." Parei aqui. Às vezes pergunto-me de onde vem este estranho amor dos brasileiros pelo seu país. Ou será o nosso desamor pelo nosso que é estranho?

Não sei. Penso muitas vezes que as coisas mais desagradáveis no Brasil são as mesmas do que em Portugal, mas ampliadas à escala do país: os prédios em ruínas, a sujidade nas ruas, a burocacia. Portugal já foi pior, já foi mais parecido com isto, é certo. Ainda me lembro de quando ir a um banco significava perder uma hora ou duas. E de quando as pessoas cuspiam orgulhosamente na rua, como se estivessem a ejacular.

Na verdade devíamos comparar-nos ao Brasil. A nossa auto-estima aumentaria imediatamente. O erro é querermos ser como a Europa.

À tarde voltei ao Shopping São Luís, o maior. Não há um jornal, um que seja, em inglês, francês - nem em espanhol, sequer, a língua de todos os países que rodeiam este. Hoje de manhã apercebi-me de que os dois principais quotidianos têm uma página, uma cada um, dedicada ao "Mundo"; fui beber uma bica, bastante boa por sinal, e comer uma trufa de chocolate preto. Ando com os níveis de serotonina em baixo, é melhor preocupar-me com o que os pode fazer subir.

Por falar em mundo, hoje vou ouvir jazz. Espero. A notícia no jornal não era muito clara, mas eu imagino que seja para não assustar potenciais clientes. Pus o meu polo roxo de cerimónia e umas calças compridas. As ocasiões são para se celebrar condignamente.

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Tecnicamente, isto devia passar para dia 14. Não passa.

Não foi jazz. Foi uma espécie de easy listening, com um sax desinteressante mas talentuoso, não sei se isto faz sentido. A coisa começou bem quando vi a lista: os preços eram inferiores o que eu pensava; e quando vi o sítio, muito bonito. O resto foi mal: a banda de abertura era uma bimbalhada indescriptível, a lista pouco apetitosa.

Mas a verdade é que por vezes faz-se - sozinha - uma carapaça à nossa volta que nos protege do mundo exterior (e o mundo interior se revela uma inestimável contribuição para a nossa felicidade, mas isso é outra história).

A Lagoa da Jansen é uma pequena lagoa, natural, que fica no meio da península da Ponta d'Areia, a zona chique de São Luís. Já me tinham dito, quando fui ver um dos apartamentos que visitei, que não muito longe havia uma zona de bares e restaurantes.

Há. Mais restaurantes do que bares, à primeira vista. Todos eles mais ou menos bonitos, atraentes, italianos, japoneses. De vez em quando chegam-me ligeiros relentos, muito ligeiros, de esgoto, alternados com cheiro a peixe frito do restaurante ao lado. Mas o sítio é bonito. Ao fundo vêem-se as luzes da cidade, os arranha-céus, e nas ruas um parque automóvel de luxo. Tudo isto no meio de uma favela. Pequena, creio.

Mesmo assim a diferença com o Reviver é siderante. Parece que mudei de planeta. As raparigas são mais bonitas - toda a gente é mais bonita - o chinfrim muito menor, a comida mais variada, e as bebidas - até Alexander têm. Fraco, mas têm.

Deixei uma gorjeta grande no restaurante - enfim, grande aqui, onde os empregados não estão habituados a receber gorjetas. Em Antigua teria sido considerado um forreta, e nos Estados Unidos corrido a pontapé -. Mas a rapariga apreciou, claramente. Quando não se tem a sorte de nascer jovem deus, mais vale comprar (a divindade; a juventude não se pode, é inata).

Voltei para o Reviver, fiz uma grande parte do trajecto a pé, apanhei um táxi, o chauffeur  avisou-me que ali até de dia há assaltos (é onde passo quase todas as manhãs quando vou andar), e acabei no Bar Odeon, que doravante vai ser a minha casa. Mas é um sítio demasiado complexo para ser descrito agora. Fica para amanhã.

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Não sei se foi a trufa, as bicas, o facto de em breve a minha filha estar aqui ou, pouco depois, eu perto de ti. Talvez seja, mais simplesmente, estar fora do Reviver, ter mudado de galáxia ou de ecossistema.

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