O armador apostou com o mordomo: «se o cálice tiver mais de 50 mililitros de brandy, vais dar uma volta ao barco a nado [na marina de Marigot, onde temos descarregado os tanques da água suja, porque a máquina de tratamento não estava a funcionar]; se tiver os 50, vou eu.» Está toda a gente a torcer já se sabe por quê, mas quem perde é o mordomo. M. é simpático, competente e fala um espanhol perfeito por ter vivido quatro anos em Marbelha. Espero que saiba nadar bem.
É uma presunção não escrever num diário por receio de que os outros não achem os nossos dias interessantes. Como tudo na vida, escrever um diário devia ser um exercício de liberdade individual (se bem que ainda estou para saber que espécie de liberdade é uma liberdade colectiva, se os todos são feitos de partes e as partes de todos) e partilhá-lo apenas um capricho. A verdade é que não tenho escrito porque não me apetece e não acho os meus dias interessantes; projecto isto nos outros, voilà a presunção: que escriturário do Cacém não preferia trabalhar num barco nas Caraíbas?
O armador e a esposa devem estar satisfeitíssimos: temos vista da popa para uma Vilebrequin, uma Vuitton e uma Versace. Por falar em vês, passei a tarde a limpar vomitado do miúdo de dois anos, que enjoou no caminho. Estávamos fundeados no mesmo lugar onde estivemos com o outro grupo, uma parte de St. Barths que nem sequer tem nome no mapa, mas já adivinhávamos que não iriam querer estar naquele lugar. As vagas são enormes e o barco balança que se farta. É um sofrimento limpar e fazer camas nessas condições -- faz-me lembrar o anterior chef, que dizia que não gostava de barcos à vela porque não conseguia trabalhar num ângulo de 75 graus --, e imagino que usufruir do barco também não seja agradável de todo. Viemos para a doca e eu adorei o lugar. Pitoresco e glamoroso, chamam-lhe St. Tropez das Caraíbas. Segundo o capitão, muitos donos de lojas trabalham aqui até Maio e vão para St. Tropez em Junho; S. até já aqui viu à venda t-shirts a dizer "St. Tropez". Infelizmente, é quase certo que não poderei ir a terra por minha conta. Trabalhar, ou pelo menos estar disponível para isso, 16 horas por dia não é, já aqui o escrevi, a melhor maneira de conhecer um lugar.
O ponto alto da minha estadia em Marigot terá sido, talvez, a terça-feira de manhã, quando saía com o capitão para as compras -- íamos comprar camarão e voltámos ao barco com tudo menos camarão. O Dione Sky estava atracado junto a nós e ouvi chamarem o meu nome. Quando percebi que era uma das minhas amigas S. delirei. Ela correu literalmente o convés inteiro para me vir abraçar. O que eu precisava daquele abraço e de saber que ela estava bem, feliz. Está. Bronzeada, até mergulha com os hóspedes. Nem todos os megaiates são prisões e nem todas as prisões são más: o armador vai levar-nos a almoçar amanhã. Alguém tem de ficar a bordo e eu voluntariei-me. O capitão respondeu a isso com um «pára de ser tão Tatiana». Resigno-me. Até os rapazes me dizem que, de dia para dia, me torno mais infantil. Avaliam agora a minha idade mental nos 13 anos, porque me rio de conversas de peidos. Dos peidos ainda não me consigo rir -- acreditem: se os cheirassem também não conseguiriam.
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