quinta-feira, 19 de abril de 2012

São Luís, Maranhão, Brasil, 19-04-2012

No fundo talvez os lugares sejam como as pessoas: tirando as verdadeiramente más todas têm alguma coisa interessante; todas são interessantes. Se calhar ser homem é isso mesmo, poder dissimular um monte de qualidades debaixo de uma espessa capa de banalidade. Como qualquer lugar com mais de cinquenta habitantes, suponho. São Luís vista do meu quarto é uma cidade magnífica; quando saio é-o menos, mas cada vez o é mais. Enfim, magnífica nunca será - pelo menos não tão cedo. 

A questão está no olhar, na leveza de quem olha, em tudo de quem olha.

Vai começar em breve um festival de heavy metal. A música que agora oiço (são pouco menos das dez da noite) deixou de ser a habitual mescla de samba, batuque e bimbalhada: é heavy e só heavy. Não sei porque é que a malta do metal tem direito à exclusividade, mas apesar de não ser grande apreciador do género prefiro isto à cacofonia dos outros dias.

Até meados do século passado - não garanto a exactidão das datas, mas garanto tudo o resto - São Luís tinha sido fundada por portugueses. Faz este ano 400 anos. Por um português mestiço, de algures do interior do Brasil, convém precisar. Depois o discurso oficial mudou. Os portugueses (e mestiços ainda menos) não eram suficientemente chiques - afinal esta é a capital cultural do Brasil, a Atenas brasileira - e  a cidade passou a ter sido fundada pelos franceses. Já li várias coisas sobre o assunto e parece-me que a opção portugueses é a boa; mas isso interessa-me pouco, para dizer a verdade. No que me diz respeito até podiam ter sido fundada por chineses, grandes ex-campeões do cuspir na rua e ainda, sempre, da porcaria (diz-me quem conhece. Eu nunca lá estive).

Mas acho piada, isso acho. Num país com mais problemas do que cem metros de mangal mosquitos a solução ideal é, está bem de ver, reinventar o passado. Aplicasse ele tanta energia e criatividade a inventar o futuro e ninguém o agarraria.

Ou mesmo a conhecer o presente: a falta de cultura deste povo é siderante. O mundo exterior parece que não existe - e não falo de outros continentes. Anteontem C. dizia-me que encontra frequentemente pessoas que não sabem onde é o México. O México, porra! Não é propriamente a república de San Marino.

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A minha capacidade de adormecer em quaisquer circunstâncias vai ser posta à prova, esta visto. A rapaziada do metal está visivelmente a aquecer.

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O patriotismo tem coisas curiosas. Não sei ainda para onde vou depois disto, mas sei para onde não vou. Há um país no mundo, um só, para onde sei que não irei quando sair do Brasil.

Se pudesse escolher iria para a América Central. Nunca fui feliz na América Central (nem infeliz, de resto; só estive no Panamá duas ou três vezes, e de passagem). Será aconselhável regressar aos sítio onde sofremos, tanto quanto é desaconselhável voltar àqueles onde fomos felizes? (É? Não sei). A verdade é que passo a vida a tentar regressar a Portugal e cada vez que de lá saio venho um bocadinho pior.

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Chove desalmadamente. A música parou. É sol de pouca dura, com certeza.

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E aos livros onde fomos felizes, podemos voltar? A verdade é que reli o Nigger do Narcissus com mais prazer do que qualquer das vezes anteriores. Vou deixar o livro na Pousada, estou com peso a mais na bagagem. Custa um bocado, um volume com o Narcissus, o Youth, e uma série de contos que nunca tinha lido, entre os quais duas pérolas: The Secret Sharer e The Lagoon, qualquer delas melhor do que o Narcissus ou o Youth, tão mais conhecidos.

Lagoon é uma história de irmãos e tocou-me particularmente.

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O mar anda a querer vender-me a ideia que também sabe separar, não é só capaz de unir. Quando lhe dá para a parvoíce não fica atrás de ninguém.

Ou então talvez tenha razão: aquilo que ele pode separar não está unido. Ou aquilo que lhe resiste nada destruirá. Vá lá saber-se.

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