Escrevo a pedido da minha família. Sou um coração-mole: se me pedem com carinho não resisto a escrever, mesmo que nada tenha para dizer e que, por conta de uma doença ou duas, os últimos dias tenham sido horríveis. Falo dos dias embora reconheça que não devemos confundi-los com a doença; os dias são bons, o Sol está aí, o vento também e o mundo gira apesar de nós -- o que é, de resto, a minha única motivação para deixar de estar doente, tudo o que há apesar de mim e também para mim. Estar por aqui, no mundo, é uma mistura feliz entre o ordinário e o extraordinário. M. diz-me «tu és simples, a vida é que é complicada» e lembro-me imediatamente de Carl Sagan, que ilumina o primeiro episódio de Cosmos com a frase «we are all made of star-stuff». Posso não ter ido a lado nenhum nestes dias, mas ainda não parei de viajar.
Mais uma semana curta demais para preparar o barco para o que aí vem. Duas pré-adolescentes, dois bebés, o armador e a senhora, duas amas, um mordomo e uma cozinheira. «Somos um grupo pequeno, imaginem se o barco estivesse cheio!», disse o armador quando me avisou que queria os lençóis mudados pelo menos a cada dois dias. A pouco e pouco deixo-me convencer de que sou eu que não dou para isto e de que qualquer outra hospedeira se vai portar aqui à altura, sem precisar de ser uma super-mulher. Passar os dias fechada, literalmente, dentro do barco deprime-me, além de me ter feito perder o bronze que custou tanto a ganhar (umas dez manhãs intermináveis na praia, sem exagero). Vim para as Caraíbas para navegar, não para trabalhar num hotel de marina. Tenho saudades do barulho do pano, quando ia com C. no CAMELOT e por acaso o vento nos faltava. Tenho saudades de fazer asneira a atracar (afinal, só o fiz umas sete ou oito vezes) e de o ouvir dizer «imagina se o vento viesse do outro lado, o que acontecia ao barco do vizinho?»; tenho saudades de chegar a casa exausta e de te encontrar sentado no honor-bar com quase tudo por fazer e 20 pessoas a chegar para jantar. Às vezes apetece-me bater-te. Não tanto quando estás por perto como quando estás longe, por estares longe.
No sábado fomos aos karts. Os rapazes arrastaram-me literalmente da cama (era dia de folga) e lá fomos, a torrar num carro que o J. alugou. A pista estava vazia e pagámos quase 25 euros -- eu com dinheiro emprestado pelo capitão, que os meus cartões só chegaram ontem (obrigada, pai) -- por sete minutos de velocidade alucinante... ou talvez não. Nunca tinha feito nada semelhante e fui bastante medrosa. Acelerei apenas nas duas rectas disponíveis e fiz todas as outras curvas -- apertadíssimas, claro -- a medo. Não sei exactamente o que acontece quando se bate a bordo de uma coisinha daquelas, mas a rapidez com que acelera assusta. Avisaram-nos de que encerravam a pista se batêssemos (de maneira a parar o carro), mas portámo-nos bem. Antes da corrida os rapazes preencheram uma folha com os nossos nomes. Eu fiquei Poes. Houve gargalhada geral quando o senhor apontou para mim depois de os identificar e disse «you are Poes!». Acho que não me ria de uma coisa tão tola desde o secundário (a flatulência não conta).
No mesmo dia fomos também a Orient Bay, uma zona extremamente turística, com muitos resorts e hotéis que, decerto, prometem mais do que cumprem. A praia é enorme e bonita, mas está cravejada de bares a anunciar happy-hours, alugueres de hobie cats, banana boats e coisas do género, o que me faz adorar a praia onde, em Antígua, fiz o sacrifício de me bronzear. Saint Martin é uma ilha linda que grita. Lembro-me agora de que o escreveste uma vez, e eu não saberia contar melhor. Mesmo que seja domingo e haja silêncio, para onde quer que se olhe há alguma coisa que agride. Sinto que já vi, aqui, o que tinha a ver; quero ir para outro lugar.
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