Daqui a um mês, no máximo, vou-me embora. Terei passado três meses certos no Brasil: um em Parnaíba e dois em São Luís. E terei feito uma das viagens da minha vida, quatro dias a reboque de uma embarcação de pesca que só por si justificam os outros dias todos.
B. está em boas mãos, o mastro em breve estará cá, um plano de tabalhos delineado e em curso: pouco mais haverá a fazer que valha estar longe de ti, ganhar pouco e viver num país do qual não gosto por aí além.
Penso que quem gosta deste país não trabalha aqui; vem cá de férias. Gostaria de ouvir as opiniões de quem simultaneamente trabalha e gosta - sabendo que o sul é diferente do Nordeste e que se calhar eu adoraria São Paulo ou Porto Alegre. Não sei.
Salvo raríssimas excepções - os barcos de Sérgio são uma delas - tudo aqui oscila entre o tosco, o rasca e o chunga. E o que está fora dessas categorias é importado e custa o dobro do que custa noutro lado qualquer. A falta de cultura é lancinante. "Para um maranhense o mundo exterior não existe", dizia-me I. no domingo. "Só existe o que ele conhece" (isto a propósito da minha incredibilidade quando me falaram de brasileiros que tinham estado em Antigua e não tinham gostado da comida. Faltaram-lhes as mesas "promocionais" em plástico de cores garridas, decerto; e o cheiro a mijo, ubíquo; e o lixo nas ruas, os gatos escanzelados, as escarradelas em tudo quanto é sítio - um dos recepcionistas da Portas da Amazónia cospe para o caixote do lixo enquanto fala com os clientes, por exemplo - ).
Recentemente H., outro recepcionista, pediu-me ajuda para lhe resolver um problema de percentagens. Comecei por tentar explicar-lhe o que era uma percentagem, mas não sou um bom professor e não consegui. Ensinei-o a fazer uma regra de três simples, disse-lhe onde pôr o x e o cem, parece-me tudo em ordem. Ontem pediu-me de novo ajuda. Está a fazer um pedido de financiamento para um projecto de 132 mil reais - qualquer coisa como 60 mil euros - e não sabe, não consegue perceber, o que é uma percentagem. M., presidente de um organismo de captação de eventos, não sabia o que lusofonia significa.
Nada disto seria muito grave se o Brasil não fosse o que é: um país que podia ser um dos mais ricos do mundo, com pessoas cultíssimas - S. dizia-me que a psiquiatria infantil aqui está anos-luz à frente da portuguesa -, sexta potência económica do planeta, um país importante cultural, económica, socialmente.
Um país exasperante, como diz Gilles Lapouge no seu Dictionnaire Amoureux du Brésil porque no fundo no fundo é impossível não se gostar dele, do sorriso permanente na cara das pessoas, da simpatia generalizada, dos prodígios de creatividade, do sentido de humor, da sensualidade inexcedível (e por vezes caricata, é certo) deste povo.
Trabalhar no Brasil é um interminável exercício de paciência e resistência à frustração. Qualidades de que eu sou notória e infelizmente pouco dotado.
B. era uma porta que tinha ficado aberta. Em breve estará fechada. Ou melhor: já está. Só falta fechá-la, a parte menos importante.
B. está em boas mãos, o mastro em breve estará cá, um plano de tabalhos delineado e em curso: pouco mais haverá a fazer que valha estar longe de ti, ganhar pouco e viver num país do qual não gosto por aí além.
Penso que quem gosta deste país não trabalha aqui; vem cá de férias. Gostaria de ouvir as opiniões de quem simultaneamente trabalha e gosta - sabendo que o sul é diferente do Nordeste e que se calhar eu adoraria São Paulo ou Porto Alegre. Não sei.
Salvo raríssimas excepções - os barcos de Sérgio são uma delas - tudo aqui oscila entre o tosco, o rasca e o chunga. E o que está fora dessas categorias é importado e custa o dobro do que custa noutro lado qualquer. A falta de cultura é lancinante. "Para um maranhense o mundo exterior não existe", dizia-me I. no domingo. "Só existe o que ele conhece" (isto a propósito da minha incredibilidade quando me falaram de brasileiros que tinham estado em Antigua e não tinham gostado da comida. Faltaram-lhes as mesas "promocionais" em plástico de cores garridas, decerto; e o cheiro a mijo, ubíquo; e o lixo nas ruas, os gatos escanzelados, as escarradelas em tudo quanto é sítio - um dos recepcionistas da Portas da Amazónia cospe para o caixote do lixo enquanto fala com os clientes, por exemplo - ).
Recentemente H., outro recepcionista, pediu-me ajuda para lhe resolver um problema de percentagens. Comecei por tentar explicar-lhe o que era uma percentagem, mas não sou um bom professor e não consegui. Ensinei-o a fazer uma regra de três simples, disse-lhe onde pôr o x e o cem, parece-me tudo em ordem. Ontem pediu-me de novo ajuda. Está a fazer um pedido de financiamento para um projecto de 132 mil reais - qualquer coisa como 60 mil euros - e não sabe, não consegue perceber, o que é uma percentagem. M., presidente de um organismo de captação de eventos, não sabia o que lusofonia significa.
Nada disto seria muito grave se o Brasil não fosse o que é: um país que podia ser um dos mais ricos do mundo, com pessoas cultíssimas - S. dizia-me que a psiquiatria infantil aqui está anos-luz à frente da portuguesa -, sexta potência económica do planeta, um país importante cultural, económica, socialmente.
Um país exasperante, como diz Gilles Lapouge no seu Dictionnaire Amoureux du Brésil porque no fundo no fundo é impossível não se gostar dele, do sorriso permanente na cara das pessoas, da simpatia generalizada, dos prodígios de creatividade, do sentido de humor, da sensualidade inexcedível (e por vezes caricata, é certo) deste povo.
Trabalhar no Brasil é um interminável exercício de paciência e resistência à frustração. Qualidades de que eu sou notória e infelizmente pouco dotado.
B. era uma porta que tinha ficado aberta. Em breve estará fechada. Ou melhor: já está. Só falta fechá-la, a parte menos importante.
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