B. é um catamaran de 43' (43 pés, 13 metros) de comprimento (quando se fala de uma embarcação de recreio refere-se quase sempre o seu comprimento - normalmente o número que vem a seguir à marca: um Swan 75, por exemplo; um J980. É preciso um bocadinho, muito pouco de experiência para decifrar que neste exemplo se fala de um Swan de 75 pés e de um J de 9,80 metros). Foi construído em strip planking (um método de construção naval que alia a madeira à fibra de vidro) numa praia do Nordeste brasileiro chamada Pedra do Sal.
O que leva uma embarcação de 43' a ser construída numa praia do Nordeste brasileiro é uma história longa, que nunca será contada aqui.
O construtor era belga (mas gostava de dizer que era holandês, porque tinha um avô, ou avó, dessa nacionalidade e não gostava de ser belga). Foi-se embora, por razões que tão pouco serão contadas.
Em Outubro de 2010 saí de Lisboa para vir a Parnaíba (a cidade mais perto da Pedra do Sal) buscar a embarcação. O objectivo era levá-la para Lisboa, e daí atravessar de novo o Atlântico rumo a uma ilha, então ainda por identificar, das Caraíbas.
As coisas não correram exactamente como previsto e em Fevereiro de 2012 voltei a Parnaíba. Desta vez o objectivo é diferente: rebocar o casco de B. (é um casco sem lemes, sem quilhas, mastro, cunhos, motores, vigias, nada) para S. Luis (originalmente era Fortaleza, mas depois o destino por assim dizer intermediário mudou). Aí vamos transformar aquele casco numa embarcação relativamente primária, com condições de navegabilidade mínimas, mas suficientes para chegar a Grenada, uma ilha na extremidade sul do arco antilhês. Em Grenada B. será terminado.
Este plano, tão simples e tão fácil de descrever, é mais complexo do que parece - se bem, felizmente, a complexidade seja decrescente: cada etapa é mais fácil do que a precedente.
De vez em quando os leitores notarão algumas exasperações - com as condições que me foram propostas e eu aceitei; com o país que neste momento, e pelos próximos, me acolhe. É importante ter presente, sempre, que aceitei porque quis. Ninguém me obrigou, ninguém me pôs uma Walter PPK na têmpora direita, ninguém raptou os meus filhos e me disse "tenho uma proposta irrecusável para ti". Aceitei porque quis; conhecia Parnaíba e conhecia o barco. É importante ter estes dois factos presentes, e eu tenho, todos os dias. Mesmo que por vezes nem sempre transpareça.
As operações que tenho de fazer em Parnaíba para levar o casco a reboque para S. Luís são relativamente simples; o que as torna complicadas é:
a) Falta de infrastruturas;
b) Falta de mão-de-obra já não digo qualificada, mas pelo menos confiável;
c) Falta de material adequado nas lojas;
d) A impossibilidade de confiar em quem quer que seja - aquilo que era possível ontem hoje não é, uma pessoa que "vai chegar às três da tarde" aparece às quatro e meia - e é se aparece;
e) Os custos absolutamente delirantes de algumas coisas, consequência da falta de concorrência, da noção de que um estrangeiro é uma cash cow, ou, pior ainda, de que o que se paga hoje serve para pagar o que não se recebeu numa vida;
f) O facto de estarmos na época das chuvas - Parnaíba fica a pouco menos de 3º de latitude Sul, e na época das chuvas chove, como em qualquer lugar litoral do mundo nesta latitude (e não só litoral, mas isso agora é irrelevante).
Para se ter uma ideia, em cerca de duas semanas consegui fazer o que fazia em Genève, quando trabalhava num estaleiro naval (sim, existem muitos e são bons) em aproximadamente uma hora: levantar uma embarcação para lhe ter acesso aos fundos. Depois fui três dias para S. Luis e nada aconteceu; quando regressei e tinha tudo pronto para começar o trabalho de fibragem começou a chover e um erro que fiz no início - não comprar plástico suficiente para cobrir inteiramente a embarcação - fez-se pagar; felizmente não muito caro porque uma vez a coisa corrigida a chuva parou.
B. é um casco num buraco; daqui a menos de meia dúzia de meses será uma embarcação linda, única (se bem demasiado pesada, mas para isso não há remédio, e não é único). Por vezes penso no que me trouxe aqui; tenho dificuldade em explicar-me, e em explicar a outros, mesmo pessoas próximas, de quem gosto muito e que me amam.
Mas no fundo é simples e resume-se assim: B. é um casco num buraco. Daqui a menos de meia dúzia de meses será uma embarcação linda, única (se bem demasiado pesada).
É a história desta metamorfose que vou contar aqui.
O que leva uma embarcação de 43' a ser construída numa praia do Nordeste brasileiro é uma história longa, que nunca será contada aqui.
O construtor era belga (mas gostava de dizer que era holandês, porque tinha um avô, ou avó, dessa nacionalidade e não gostava de ser belga). Foi-se embora, por razões que tão pouco serão contadas.
Em Outubro de 2010 saí de Lisboa para vir a Parnaíba (a cidade mais perto da Pedra do Sal) buscar a embarcação. O objectivo era levá-la para Lisboa, e daí atravessar de novo o Atlântico rumo a uma ilha, então ainda por identificar, das Caraíbas.
As coisas não correram exactamente como previsto e em Fevereiro de 2012 voltei a Parnaíba. Desta vez o objectivo é diferente: rebocar o casco de B. (é um casco sem lemes, sem quilhas, mastro, cunhos, motores, vigias, nada) para S. Luis (originalmente era Fortaleza, mas depois o destino por assim dizer intermediário mudou). Aí vamos transformar aquele casco numa embarcação relativamente primária, com condições de navegabilidade mínimas, mas suficientes para chegar a Grenada, uma ilha na extremidade sul do arco antilhês. Em Grenada B. será terminado.
Este plano, tão simples e tão fácil de descrever, é mais complexo do que parece - se bem, felizmente, a complexidade seja decrescente: cada etapa é mais fácil do que a precedente.
De vez em quando os leitores notarão algumas exasperações - com as condições que me foram propostas e eu aceitei; com o país que neste momento, e pelos próximos, me acolhe. É importante ter presente, sempre, que aceitei porque quis. Ninguém me obrigou, ninguém me pôs uma Walter PPK na têmpora direita, ninguém raptou os meus filhos e me disse "tenho uma proposta irrecusável para ti". Aceitei porque quis; conhecia Parnaíba e conhecia o barco. É importante ter estes dois factos presentes, e eu tenho, todos os dias. Mesmo que por vezes nem sempre transpareça.
As operações que tenho de fazer em Parnaíba para levar o casco a reboque para S. Luís são relativamente simples; o que as torna complicadas é:
a) Falta de infrastruturas;
b) Falta de mão-de-obra já não digo qualificada, mas pelo menos confiável;
c) Falta de material adequado nas lojas;
d) A impossibilidade de confiar em quem quer que seja - aquilo que era possível ontem hoje não é, uma pessoa que "vai chegar às três da tarde" aparece às quatro e meia - e é se aparece;
e) Os custos absolutamente delirantes de algumas coisas, consequência da falta de concorrência, da noção de que um estrangeiro é uma cash cow, ou, pior ainda, de que o que se paga hoje serve para pagar o que não se recebeu numa vida;
f) O facto de estarmos na época das chuvas - Parnaíba fica a pouco menos de 3º de latitude Sul, e na época das chuvas chove, como em qualquer lugar litoral do mundo nesta latitude (e não só litoral, mas isso agora é irrelevante).
Para se ter uma ideia, em cerca de duas semanas consegui fazer o que fazia em Genève, quando trabalhava num estaleiro naval (sim, existem muitos e são bons) em aproximadamente uma hora: levantar uma embarcação para lhe ter acesso aos fundos. Depois fui três dias para S. Luis e nada aconteceu; quando regressei e tinha tudo pronto para começar o trabalho de fibragem começou a chover e um erro que fiz no início - não comprar plástico suficiente para cobrir inteiramente a embarcação - fez-se pagar; felizmente não muito caro porque uma vez a coisa corrigida a chuva parou.
B. é um casco num buraco; daqui a menos de meia dúzia de meses será uma embarcação linda, única (se bem demasiado pesada, mas para isso não há remédio, e não é único). Por vezes penso no que me trouxe aqui; tenho dificuldade em explicar-me, e em explicar a outros, mesmo pessoas próximas, de quem gosto muito e que me amam.
Mas no fundo é simples e resume-se assim: B. é um casco num buraco. Daqui a menos de meia dúzia de meses será uma embarcação linda, única (se bem demasiado pesada).
É a história desta metamorfose que vou contar aqui.
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