quinta-feira, 28 de março de 2013

Napa Valley, Califórnia, EUA, 26-03-13

Ontem fui às compras. Estou muito orgulhoso. Consegui comprar quase tudo o que precisava, não excedi muito o orçamento, e só comprei um coisa que não estava prevista (justificadissimamente: um casaco de linho óptimo, lindo, em saldo. Tenho algumas dúvidas sobre a sua absoluta necessidade, mas enfim, a melhor abordagem é a do ceguinho: logo se verá).

Mas também fiquei bastante preocupado, muito mais do que orgulhoso. Cada vez me é mais difícil estar numa loja, cada vez me sinto mais desamparado, perdido e incapaz de gerir aqueles parâmetros todos: o preço, a medida, a estética, a adequação. Fico num estado de tenção que roça (ou pior ainda penetra) o pânico.

Na primeira loja onde fui (uns grandes armazéns chamados Macy's) ainda consegui dizer à senhora que fazer compras é para mim uma experiência traumatizante, ao que ela respondeu laconica e precisamente "estou a ver"; na segunda fui atendido (enfim, atendido é um grosseiro exagero) por um jovem com piercings ridículos e abandonei a missão.

Fui para um wine bar esperar que os óculos ficassem prontos - outra missão concluída com sucesso. Sou o feliz, e neste caso também orgulhoso proprietário de duas armações da conceituada e de há muito minha conhecida marca Ray Ban, adquiridos sem esforço e a um preço que me faz temer pelo futuro da loja. E de um par de olhos em bom estado, não é despiciendo. Apesar de tudo o que lhe faço o meu corpo é generoso e tolerante.

Na verdade o mérito não é meu. É do vendedor (um senhor maricas que levou a simpatia e a eficáca ao ponto de insinuar que eu devo cortar o cabelo: "naturally you need to cut your hair", disse-me). E acrescentou, quando eu lhe expliquei que corto o cabelo apenas duas vezes por ano, porque faça o que fizer nunca serei bonito, e mais vale não gastar dinheiro com objectivos inúteis "se quer escolher uns óculos facilmente".

A compra dos óculos e consulta médica correram bem: raramente estive sozinho, o processo desde a consulta - bastante completa - à escolha das armações e lentes é rápido, fluido e havia boas oportunidades - uma das armações estava em desconto por ser uma devolução e na outra reduziram o preço em cinquenta dólares por causa de um quase imperceptível risco numa das lentes. O método de vendas daquela cadeia é apreciável.

O que falta vai ser comprado no México, e depois espero estar vestido para os anos que aí vêm.

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O trabalho a bordo do ARTIC FRONT avança a bom ritmo. Estamos (muito ligeiramente, é certo, mas estamos) adiantados em relação ao que tinha previsto, graças às qualidades dos tripulantes. Dois bombeiros profissionais - M. era bombeiro amador, e R. e Er. são antigos colegas dele -, e E., uma jovem canadiana que inicia connosco um périplo de um ano pela América Latina, "entre o masters e o trabalho". É engenheira civil, bastante desenrascada e o facto de nunca ter posto os pés num barco não a incomoda a ela nem, graças a Deus, a mim. A rapariga parece ser bastante autónoma.

Trabalham todos bem, depressa, cheios de energia e bom humor. Mas uma vez sou o único a bordo com experiência de mar (R. e Er. fazem vela ligeira). Tenho umas certas saudades de navegar com uma tripulação experimentada, eficaz, num barco rápido; mais uma coisa que vai ter de esperar. São tantas...

Mas sermos ou não capazes de respeitar a ETD vai depender do que acontecer hoje, de modo tenho sempre presente aquele velho dito francês, segundo o qual on n'est pas sortis d'auberge; e mantenho - metaforicamente, claro - os dedos cruzados, não vá o diabo, grande companheiro destas andanças tecê-las.

O ARTIC FRONT não está nem de longe preparado para receber clientes, e quero chegar rapidamente a Quepos para o pôr de novo no estaleiro: pintar o convés, reparar a borda falsa e outro madeirame, fazer capas novas para os coxins, mudar o piso do salão, lavar as velas.

M. é contabilista de formação e ele próprio reconhece ter mais jeito para números do que para a estética.

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Teria preferido fazer a viagem sem escalas. Vinte e cinco dias de mar vinham a calhar. Infelizmente devemos parar pelo menos uma vez por semana, para que M. possa trabalhar. Vamos fazer escalas no México, nas Honduras (a meu pedido) e na Nicarágua. Podia ser pior, verdade seja dita. Tudo pode sempre ser pior, de resto. Mais facilmente do que melhor. Somos bons a gerir a felicidade, e maus a lidar com a tristeza



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