sábado, 30 de março de 2013

Encontros - Steve J., Napa Valley

- De que parte de Portugal és? - pergunta-me o homem da bomba de combustível da marina quando me ouve falar com M. durante a manobra. Íamos fazer um teste de mar e fomos a bancas (meter combustível, em linguagem de mar).
- De Lisboa. Como reconheceste o sotaque?
- Vivi dois anos em Setúbal.

 Encontro-me com Steve alguns dias depois. Levou-me à cabana que lhe serve de atelier e escritório ao pontão do combustível. Steve é designer e acredita nas virtudes do mostrar mais do que nas de explicar.

- Tens de ver, se não não percebes - diz quando lhe sugiro que se não tem tempo podemos falar no barco.

Começamos por falar dos seus anos em Setúbal, dos estaleiros navais artesanais que não souberam adaptar-se e procurar novos mercados quando a pesca acabou em Portugal e morreram todos. Depois falamos, é inevitável, das pessoas que conhecemos. Era amigo do G. O'Neill, diz-me que lhe dê um abraço quando o vir, explico-lhe que não será assim tão cedo mas será entregue.

Continuamos pelo seu projeto actual, uma galera birreme - "o projecto mais antigo de todos aqueles em que trabalhei. Espero muito que este se concretize" - e daí vamos para trás (incluindo uma réplica de uma caravela, da qual depois me oferece uma vista de perfil). Steve desenha e ajuda a construir, como responsável pela mastreacão, réplicas de barcos antigos. Comecou ajudante e aprendiz de um senhor que trabalhou para Walt Disney a fazer o COLUMBIA, e desde daí salta de projecto para projecto. Os seus clientes são museus, parques de diversões, cidades (a caravela era para uma cidade da costa oeste dos Estados Unidos), produtores de cinema ou simplesmente privados que querem um barco diferente. Tem um 34' de 1890, no qual vive, aqui na marina.

O trabalho na estacão de combustíveis é pouco e deixa-lhe muito tempo livre. Os desenhos não são de brinquedos, de réplicas mais ou menos fantasistas. "Onde vais buscar a informacão para os planos?" Mostra-me uma estante cheia de livros de história marítima, explica-me que o seu mentor foi contratado pelo Walt Disney porque "os meus desenhadores só sabem fazer barcos para bandas desenhadas e não é isso que eu quero para o COLUMBIA" (Steve conta-me que o senhor desenhava enquanto Walt Disney falava durante o almoco para o qual este o convidara. Terminada refeicão mostrou-lhe o desenho. "O trabalho é teu. Vamos para os estúdios", terá sido a resposta), mostra-me um capacete espanhol da época das descobertas - "se não tiveres um modelo só podes desenhar as coisas de um ponto de vista. Com um modelo podes dar-lhes as voltas todas que quiseres".

Da estante saem três livros iguais, duas reproducões e um original de um livro de 1819, com bastantes ilustracões de poleame, massame, cabos, técnicas de mastreacão, esquemas de construcão. "Este livro é fantástico. Tudo o que fiz dos séculos XVIII e XIX vem daqui. Foi o primeiro e mais completo guia de vela daquela época. Tive um sucesso fenomenal. Toma, dou-te este. Este não porque é um original que encontrei num alfarrabista de Filadélfia, este também não porque é o que uso (mostra-mo, cheio de sublinhados, anotacões, setas), mas este é teu.

O presente comove-me. Para além dos barcos Steve também desenha casas e trabalhou num rancho, onde aprendeu a recuperar selas antigas. "Foi depois do meu divórcio. Foi muito difícil e resolvi "levar o remo para terra". Passei dois anos a trabalhar num rancho.

Mostra-me desenhos de cowboys, quintas, terra. Mas a minha mente ficou no "The Young Sea Officer's Sheet Anchor or a Key to the Leading of Rigging and Pratical Seamanship" by Larcy Lever, Esq., "With an Appendix containing several figures illustrative of novelties and improvements in rigging &c &c &c." que trago para bordo e agora folheio.

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