quarta-feira, 7 de março de 2012

Parnaíba, Piauí, Brasil, 07-03-2012

Edgar é muito menos inteligente do que Raimundo; e faz (enfim, fazia; agora melhorou) menos esforço - para o macaco que Raimundo levava de um lado para o outro como se fosse uma palha Edgar pediu ajuda, mal olhou para ele. Não tem uma visão 3D das coisas - calçar é um exercício lento e penoso. Mas tem outras vantagens - começa por aceitar o que lhe sugiro (e fica quedo de admiração, mas isso é outra história. Em coisas simples: rodar um barrote 90º, por exemplo. Ele não tinha visto que o barrote não era de secção quadrada, mas paralelepipédica). E, sobretudo, trabalhou ali quatorze anos, antes de aquilo fechar. Já fez a maioria dos erros que se podem fazer num estaleiro - o qual fechou porque lá morreu uma pessoa, de resto, num acidente de trabalho. Edgar conta-mo em pormenor (poderia ter sido ele o acusado, não fora um daqueles acasos que nos mudam a vida, ou impedem que ela mude). Já furou um casco com um macaco porque não o pôs debaixo de uma caverna. Já arreou e içou dezenas de barcos ali, naquela carreira. E lembra-se de tudo, bendito seja.

Para além dele tenho Luís Carlos, a primeira pessoa com quem trabalho aqui que não me faz sentir noutro planeta.

A verdade é que hoje progredimos bastante, graças a estas coisas simples. Mas agradáveis.

Desagradável foi termos descoberto uma mossa de sessenta centímetros por quinze perto do último buraco. Não é uma tragédia, mas é uma chatice. (Último porque pusemos massa em todos; só faltava um.)

Há qualquer coisa de especial com as coisas que deixamos para o fim; não sei. A verdade é que se tivéssemos começado por aquele provavelmente não teríamos feito nem mais um.

Continua a não chover - se bem me pareça que não será por muito tempo mais; mas agora interessa-me pouco. A minha imitação de Christo tem sido reforçada (não tarda um fósforo começo a odiar o vento) e agora parece uma obra construtivista - não de construtivismo russo, mas de alguém que trabalha na construção civil: paus, barrotes, tijolos, cabos, barras de ferro - tudo é bom para manter o plástico no sítio pelos três ou quatro dias que faltam.

Ah, pois. Claro. O barco que tinha conseguido tão depressa para nos rebocar para S. Luis disse que afinal não podia. Pois.

Enfim, fait divers. Um dia deixarão de ser divers e serão divertidos.

Estou cansado e esfomeado. Parecem-me contraditórios, estes estados. Ou se tem fome ou se tem sono. Tenho muito de cada um deles.

E depois há uma série de fait divers nada divertidos: a roupa que as senhoras da pousada insistem em tratar como o que ela é, e não como eu a vejo; os sapatos que não viam lama há tanto tempo (dois dias?) e hoje apanharam mais um banho dela; o duche que não tem pressão nem nunca terá. Pequenas alegrias, mas alegrias (não gosto da palavra arrelias, não sei porquê. Nunca gostei).

......
Felizmente penso em Wittgenstein e fico com uma vontade de rir como anos de tentativas de ler o Tratado nunca conseguiram.

......
Um dia acordo e estou ao teu lado.

Sem comentários:

Enviar um comentário