sábado, 3 de março de 2012

Parnaíba, Piauí, Brasil - 03-03-2012

I
O casamento em vez das palavras? Não me parece. Foram elas que nos uniram; elas e os corpos, os copos, o riso, a felicidade, é certo. Mas estes vieram depois. Foi pelas palavras que começámos. 

Este blogue vai ser a continuação dos meses que passámos juntos em Lisboa, a continuação do mês que vivemos em Falmouth Harbour, e o prefácio do que aí vem.

Talvez tenhas razão: entre tudo e o mar um marinheiro escolhe o mar; mesmo que seja uma escolha irracional (não é. Não há escolhas irracionais. Há escolhas erradas, o que é diferente). Aceitei este trabalho em condições especiais, passe o eufemismo, devido às circunstâncias de então, minhas e do armador; essas circunstâncias mudaram e eu devia ter mudado. Não mudei porque há coisas que não mudam. O mar, os desafios, eu.

É mentira: eu mudo. Já mudei. É a última vez que aceito um trabalho nestas condições, é a última vez que nos separamos tanto tempo, é a última vez que só as palavras nos ligam.

Última vez é sinónimo de primeira vez. A primeira vez de qualquer coisa nova.

II
Para quem começa agora os diários de bordo: com o tempo passarei para aqui todos os posts (a série começou em 2011 na Martinique, se bem me lembro).

Parnaíba é uma cidade de 140,000 habitantes no Nordeste do Brasil. Ou seja, é uma cidade pequena, para o país. No que respeita a aprestos marítimos é o equivalente de uma aldeia de 50 habitantes em Trás-os-Montes.  Não devia ser, porque há uma indústria de pesca, barcos de recreio (um, pelo menos), há uma indústria turística baseada em cruzeiros ao delta do rio Parnaíba, o segundo maior delta do Brasil. Mas não consomem visivelmente o mesmo tipo de material que nós, e encontrar aqui a mais pequena coisa para uma reparação naval básica é praticamente impossível. E B. não está propriamente a fazer uma reparação básica.

Enfim, na Europa seria uma reparação talvez não básica, mas fácil; porém aqui não há infrastruturas, nem pessoal, nem material para fazer seja o que for. Havia uma velha piada sobre Genève, que dizia "a minha parte favorita de Genève é o hall de partidas do aeroporto". Parnaíba tem um aeroporto, mas não tem aviões. Nenhuma linha aérea voa para aqui. A minha parte favorita de Parnaíba é o rio por onde vou, um dia em breve, partir daqui.

III
Quando tinha aproximadamente a idade que tenho hoje o meu pai subiu o rio Douro com todo o equipamento (embarcado num batelão, creio, mas não tenho a certeza, que motorizado) necessário para começar as obras do que seria designado como Navegabilidade do Douro.

Foi uma viagem difícil. O meu Pai não falava muito nela, nos cabos que andou a arrastar pelas margens, nas coordenações nem sempre coordenadas com as barragens, nas condições de vida.

Por vezes penso que esta é a minha "subida do Douro", mas isso é porque sou dado a psicologias de trazer por casa.

É irónico que um homem que adorava a vida de mar, a abandonou a contragosto e por imposição terminante e irrecusável da minha Mãe tenha feito a sua última viagem num rio que nem navegável era.

Não vou terminar, espero, a minha vida de mar aqui; mas é aqui que as vidas todas que tive até aqui vieram desaguar. 

4 comentários:

  1. E está a funcionar, sim senhor. Recebi o comentário por e-mail.
    Beijinho e boa noite.

    ResponderEliminar
  2. Viva! Eu já enviei um comentário para o primeiro post, mas parece que foi rio abaixo, com a corrente. Este, vou amarrá-lo bem para não fugir. Basicamente filosofava nas parecenças entre o Finalmente e o A Drawing A Day, blogs diários que acabam por ser uma (auto) disciplina para quem os faz. Long Live Finalmente, beijos para os dois.

    ResponderEliminar
  3. "tanto mar", um grande beijo
    isabel

    ResponderEliminar