terça-feira, 2 de outubro de 2012

Lisboa, Portugal, 02-10-2012

Às vezes parece-me que a minha residência principal é um aeroporto qualquer, um aeroporto-todos-os-aeroportos do mundo; e tudo o resto - barcos, hotéis, quartos - não passa de residências secundárias.
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Durante o quarto o tempo é deformável, irregular. Um gajo entra de quarto às três da manhã, por exemplo; uma eternidade depois são três e dez. Não acontece nada e num ápice são quatro, é preciso preencher o diário de bordo: posição, rumo, velocidade, vento, mar, dados das máquinas. Demora cinco minutos e quando acaba já são cinco da manhã e é preciso recomeçar. De repente são seis, o quarto acaba e o mesmo gajo começa a pensar que os quartos de quatro horas são muito melhores.

O quarto acaba. Oríon já não está onde estava às três; nem a lua, quase a rebentar, de tão cheia; nem o A., que entretanto já andou trinta milhas. Nada está no mesmo sítio, nada é igual. Daqui a pouco aparece o sol, as cores mudam, talvez o vento sei lá; talvez apareça um eco no radar, ou desapareçam os que lá estão.

Nada é igual, nem o passar do tempo.

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Um homem no mar não gasta dinheiro. A essa imagem - de que tanto gosto - do marinheiro perdulário há que acrescentar, sempre, a do marinheiro franciscano. Quanto mais não seja por falta de franciscas, o que é um bocadinho contraditório.

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Helletvoetsluis

A viagem acaba aqui. Por mim podia ter continuado três semanas, ou meia dúzia de meses.

O chauffeur de táxi vem buscar-nos de casaco e gravata, num carro também ele engravatado. É delicado, educado, conduz como fala, suavemente, sem solavancos. Não sou muito dado a comparações, mas é impossível não pensar nos chauffeurs de táxi de outras paragens.

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Amsterdam

Um dos meus objectivos era comer um  Nasi Goreng, ou Bakmie Goreng, com um monte de Sambal a acompanhar e a excitar tudo o que há de glândulas no corpo. Mas "já não há pure Indonesian restaurants como antigamente", diz-me um senhor da minha idade que vende flores (e o diz como se tivesse acabado de comer uma por engano). "Vai àquele chinês, também fazem pratos indonésios". Não fui; fui ao De Roode Leeuw, um restaurante lindo, bom e (surpresa) caro na Damrak, que "há cem anos serve autêntica cozinha holandesa" (dizem isto e não se apercebem do oxímoro) comer mexilhões.

Passei uma hora e meia em Amsterdam; não fiquei a morrer de vontade de lá voltar. Que será daquela cidade sem as tascas indonésias, agora substituídas por restaurantes argentinos, em cada esquina um?

E cheia de miúdos a fumar charros, como se estivessem a descobrir a Lua.

Vou de comboio de Rotterdam para Amsterdam. A Holanda é um país que só tem litoral, não tem interior. No meio do campo aparece volta e meia uma marina - e grande - ou um porto de batelões.

As placas de sinalização em Rotterdam indicam tanto as ruas como os números dos cais.

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De passagem em Lisboa, de novo. Mas estive cá há quatro dias. Quero ir-me embora. Uma vez vistos e conversados os amigos pouco me prende aqui. 

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