Está um verão como já não se fazem invernos. A malta do "aquecimento global" (entre aspas porque acabo de ligar o aquecimento do bote) deve estar nas nuvens.
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E tem mulheres. Bonitas, sorridentes, alegres como se a cidade não passasse, apesar da chuva e do frio, do gigantesco cenário de uma publicidade à vida, ou à alegria.
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Fui jantar e na volta perdi-me. Sabia que me ia perder pela maneira como andava na rua: o mar estava à minha direita e não precisava de olhar para mais nada. Mas em La Coruña há sempre mar à nossa direita (excepto numa parte que de qualquer maneira é longe, curta e desinteressante), e fui parar ao mau mar, ao lado errado do mar. Mas o outro não fica longe, graças a Deus.
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Tapas a 1,60 euros. Com três fica-se jantado, com quatro mantém-se o peso e com cinco contribui-se para a casa da nutricionista, tão bonita, coitada.
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É uma das muitas ruas em La Coruña que se parecem com a do João do Grão, na Baixa de Lisboa. Mas aqui há infinitamente menos turistas do que em Lisboa, os menus são em espanhol, as caras e as conversas são galegas. Ontem "fui-me de tapas"; hoje vou-me de polvo e de povo. O Mesón O Galego, na Calle Franja 56 só tem o habitual defeito - que de tão habitual está quase a perder o apesar de tudo nobre estatuto de defeito - da televisão. De resto é perfeito: uma média de idades igual ou pouco superior à minha, clientes que nasceram na Galícia há pelo menos três gerações, decoração inexistente. Quem aqui vem vem para comer, e sabe o que quer comer.
Descubro uma coisa chamada Ribeiro Turvio, vinho branco servido numas taças de cerâmica, acre, jovem, (surpreendentemente) turvo, que nos fica pela boca até à eternidade, apesar da juventude; o polvo estava excelente, os boquerones também. O jantar acaba com um caldo à galega, outro meio jarro de Ribeiro Turvio e a ideia de que não ter um domicílio fixo faz de um gajo o melhor dos cidadãos: estamos em casa onde quer que estejamos.
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Ter prazer com as coisas simples aprende-se. É um percurso, no fundo. Começa por ter prazer com as coisas complicadas.
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A ASAE do imobiliário em Portugal chama-se (ou chamava-se, quem acompanha que me elucide) IGESPAR. Foi durante alguns anos dirigida por um inteligentíssimo imbecil cuja grande aspiração na vida era ser ministro [quase conseguiu, mas isso é outra história]; o qual prolongou as políticas do imbecil que o antecedeu e - de certeza - deixou as bases para a daquele que lhe sucedeu no cargo. O IGESPAR acha, ou achava, que os monumentos históricos têm "de respirar", e durante anos impediu coisas como, por exemplo, o soberbo passeio que vai de Cascais à Marina passando pelas bases do forte.
Eu não acho. Os edifícios antigos - como o dito passeio e grande parte da cidade de La Coruña ampla e desenvergonhadamente demonstram - devem ser tratados como os modernos, o vinho tinto ou as mamas das senhoras (ou as pilas dos senhores, para quem gosta, já agora): à discrição dos utentes.
Se antigamente houvesse um IGESPAR hoje as cidades não teriam interesse nenhum.
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O café de Macondo não tem televisão; em contrapartida tem excelente música, uma invejável colecção de arte nas paredes, é lindo e eu acho injusto só o ter conhecido hoje (c/ san Andrés 106).
Como de resto o café Central, última escala antes de chegar a bordo, trajecto perigoso e tão cheio de eternidades como o golfo da Biscaia, mais moderno mas com a melhor crema (Hijos de Ribeira, este nome merece ser fixado) que até hoje provei.
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As cidades interessantes são como as senhoras bonitas, não é? Descobrem-se milímetro a milímetro, eternidade a eternidade. Demora vidas, conhecê-las.
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Está uma exposição na cidade chamada (não reproduzo o grafismo) Maria Helena Vieira da Silva Arpad Szenes Traxectorias Paralelas. As cidades estrangeiras fazem de nós melhores pessoas, é certo. Vivi anos a minutos do Museu Vieira da Silva em Lisboa e nunca lá fui (admitidamente, uma das vezes que tentei estava fechado; as outras devo ter ficado pelo caminho). É uma exposição relativamente pequena (cerca de cinquenta obras) mas que me fez descobrir Arpad Szenes e algumas obras de juventude de Vieira da Silva. E ter a certeza de que quando chegar a Lisboa vou ao Museu Vieira da Silva. Afinal sou quase tão estrangeiro em Lisboa como noutro lado qualquer. Ou serei, um dia, inch'Allah.
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Largo sábado, com a maré da manhã. Espero que em Portugal esteja a chover menos, e faça menos frio. E que um dia alguém se lembre de organizar uma conferência internacional chamada Lisboa + 25 (graus centígrados), para que os aquecimentistas vislumbrem os disparates que há alguns anos apregoam sem parar.
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E tem mulheres. Bonitas, sorridentes, alegres como se a cidade não passasse, apesar da chuva e do frio, do gigantesco cenário de uma publicidade à vida, ou à alegria.
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Fui jantar e na volta perdi-me. Sabia que me ia perder pela maneira como andava na rua: o mar estava à minha direita e não precisava de olhar para mais nada. Mas em La Coruña há sempre mar à nossa direita (excepto numa parte que de qualquer maneira é longe, curta e desinteressante), e fui parar ao mau mar, ao lado errado do mar. Mas o outro não fica longe, graças a Deus.
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Tapas a 1,60 euros. Com três fica-se jantado, com quatro mantém-se o peso e com cinco contribui-se para a casa da nutricionista, tão bonita, coitada.
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É uma das muitas ruas em La Coruña que se parecem com a do João do Grão, na Baixa de Lisboa. Mas aqui há infinitamente menos turistas do que em Lisboa, os menus são em espanhol, as caras e as conversas são galegas. Ontem "fui-me de tapas"; hoje vou-me de polvo e de povo. O Mesón O Galego, na Calle Franja 56 só tem o habitual defeito - que de tão habitual está quase a perder o apesar de tudo nobre estatuto de defeito - da televisão. De resto é perfeito: uma média de idades igual ou pouco superior à minha, clientes que nasceram na Galícia há pelo menos três gerações, decoração inexistente. Quem aqui vem vem para comer, e sabe o que quer comer.
Descubro uma coisa chamada Ribeiro Turvio, vinho branco servido numas taças de cerâmica, acre, jovem, (surpreendentemente) turvo, que nos fica pela boca até à eternidade, apesar da juventude; o polvo estava excelente, os boquerones também. O jantar acaba com um caldo à galega, outro meio jarro de Ribeiro Turvio e a ideia de que não ter um domicílio fixo faz de um gajo o melhor dos cidadãos: estamos em casa onde quer que estejamos.
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Ter prazer com as coisas simples aprende-se. É um percurso, no fundo. Começa por ter prazer com as coisas complicadas.
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A ASAE do imobiliário em Portugal chama-se (ou chamava-se, quem acompanha que me elucide) IGESPAR. Foi durante alguns anos dirigida por um inteligentíssimo imbecil cuja grande aspiração na vida era ser ministro [quase conseguiu, mas isso é outra história]; o qual prolongou as políticas do imbecil que o antecedeu e - de certeza - deixou as bases para a daquele que lhe sucedeu no cargo. O IGESPAR acha, ou achava, que os monumentos históricos têm "de respirar", e durante anos impediu coisas como, por exemplo, o soberbo passeio que vai de Cascais à Marina passando pelas bases do forte.
Eu não acho. Os edifícios antigos - como o dito passeio e grande parte da cidade de La Coruña ampla e desenvergonhadamente demonstram - devem ser tratados como os modernos, o vinho tinto ou as mamas das senhoras (ou as pilas dos senhores, para quem gosta, já agora): à discrição dos utentes.
Se antigamente houvesse um IGESPAR hoje as cidades não teriam interesse nenhum.
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O café de Macondo não tem televisão; em contrapartida tem excelente música, uma invejável colecção de arte nas paredes, é lindo e eu acho injusto só o ter conhecido hoje (c/ san Andrés 106).
Como de resto o café Central, última escala antes de chegar a bordo, trajecto perigoso e tão cheio de eternidades como o golfo da Biscaia, mais moderno mas com a melhor crema (Hijos de Ribeira, este nome merece ser fixado) que até hoje provei.
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As cidades interessantes são como as senhoras bonitas, não é? Descobrem-se milímetro a milímetro, eternidade a eternidade. Demora vidas, conhecê-las.
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Está uma exposição na cidade chamada (não reproduzo o grafismo) Maria Helena Vieira da Silva Arpad Szenes Traxectorias Paralelas. As cidades estrangeiras fazem de nós melhores pessoas, é certo. Vivi anos a minutos do Museu Vieira da Silva em Lisboa e nunca lá fui (admitidamente, uma das vezes que tentei estava fechado; as outras devo ter ficado pelo caminho). É uma exposição relativamente pequena (cerca de cinquenta obras) mas que me fez descobrir Arpad Szenes e algumas obras de juventude de Vieira da Silva. E ter a certeza de que quando chegar a Lisboa vou ao Museu Vieira da Silva. Afinal sou quase tão estrangeiro em Lisboa como noutro lado qualquer. Ou serei, um dia, inch'Allah.
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Largo sábado, com a maré da manhã. Espero que em Portugal esteja a chover menos, e faça menos frio. E que um dia alguém se lembre de organizar uma conferência internacional chamada Lisboa + 25 (graus centígrados), para que os aquecimentistas vislumbrem os disparates que há alguns anos apregoam sem parar.
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