domingo, 1 de julho de 2012

Brighton, Reino Unido, 01-07-2012


Ouço, do beliche, os brandais da marina inteira abanando, fustigados pelo vento. Penso como seria bom ouvir, como ouvi no mar, aquele véu de vento e pano sem interferências, a não ser a da rebentação -- a espuma tem som, já lhes disse? Olho o mar, ainda inquieto, e vejo-te. Vejo-me também, longe daqui.

Este ano nasceu bêbedo e entaramela as estações todas. Bela desculpa.

Está um frio dos diabos. Chove e faz sol, mas chove sempre mais do que faz sol. Hoje foi uma excepção, mas o frio era tanto que o Sol quase não contava. O meu cabelo é incompatível com o vento nestas quantidades, e o meu guarda-roupa (enfim, guarda-roupa é um eufemismo, devia dizer a mala de que tenho vivido nos últimos seis meses) com a falta de calor. Tive de comprar um casaco e umas calças, e a única camisola de manga comprida que consegui encontrar. Meteorologicamente, os ingleses vivem em negação. Calções, mangas curtas, saias, vestidos e sandálias é tudo o que se encontra nas lojas. Londres estava linda, banhada de sol, chuveirada de sol, imundada (piada higiénica intended) de sol, e assim sucessivamente. Mas nem por isso a porra do frio se foi, uma das razões para me querer ir embora o mais depressa possível, mas não é, obviamente, uma razão suficientemente forte. (As outras não são partilháveis.)

O trabalho é uma seca. Foi giro, quero dizer, aprender a fazer lattes, machiattos, capuccinos, americanos, mochas, flat whites e assim, mas não é para a profissão de barista que estou orientada. Nem para as sanduíches e saladas que vou fazer amanhã, nem para o salário que vou ganhar, menos de metade do que ganhava no J. Se a minha condição mo permitisse, ficaria aqui a tratar dos assuntos que cá me deixam sem trabalhar, a gastar a velocidades só recriáveis no grande colisionador de hadrões tudo o que ganhei com enorme sacrifício nos últimos meses. Mas não: sou pobre e viver sem "o dinheirinho certo ao fim do mês" causa-me aflições indescritíveis e indescritas, por isso, em todos os manuais de diagnóstico disponíveis. Como dizia a minha bisavó Joana sobre si mesma, «nasci para ser rica». Sim, porque também não gosto de trabalhar em geral, e não apenas em particular. Como fazer, então, para ser feliz?

Muita gente diria: encontra algo que gostes de fazer. O G., que conheci em Antígua e que agora está em Palma, canta e toca guitarra (bastante bem, por sinal) porque detesta trabalhar. E, quando questionado sobre aquilo que faz, confessa que também não gosta particularmente de fazer música, mas que a faz porque lhe parece a menos dolorosa das escolhas. Vejo-me a fazer o mesmo, mas não sem antes esgotar todas as hipóteses luteranas de ganhar a vida. Já estou a ver (e a sofrer) o trabalho que me vai dar não ter trabalho. Ser procrastinador é uma condição danada.

Porque não escrevo eu de coisas agradáveis?

Ouço, do beliche, os brandais da marina inteira abanando, fustigados pelo vento. Penso como foi bom ouvir, como ouvi no mar, aquele véu de vento e pano sem interferências, a não ser a da rebentação -- a espuma tem som, já lhes disse? Olho o mar, ainda inquieto, e vejo-te. Vejo-me também, longe daqui.

Este ano nasceu bêbedo e entaramela as estações todas. Tens razão -- felizmente, estamos em Julho, o que significa que já passou mais de metade.

Está um frio dos diabos. Chove e faz sol, mas chove mais do que faz sol, o que sempre contribui para que a temperatura não desça ainda mais. Hoje foi uma excepção, esteve um lindo dia de chuva. O meu cabelo é incompatível com o vento nestas quantidades, mas o vento não é quantificável; e o meu guarda-roupa (enfim, a mala de que tenho vivido nos últimos seis meses) com a falta de calor, o que me dá um óptimo motivo para ir às compras. Um casaco e umas calças e a única camisola de manga comprida que consegui encontrar, gira como tudo (de marinheira, vejam lá). Meteorologicamente, os ingleses vivem em negação, o que faz deles um povo extremamente positivo. Calções, mangas curtas, saias, vestidos e sandálias é tudo o que se encontra nas lojas. Londres estava linda, banhada de sol, chuveirada de sol, imundada (piada higiénica intended) de sol, e assim sucessivamente. Mas nem por isso o frio se foi, e o frio não é, obviamente, uma razão suficientemente forte para me querer ir embora. (As verdadeiras razões não são partilháveis.)

O trabalho foi giro. Aprender a fazer lattes, machiattos, capuccinos, americanos, mochas, flat whites foi o realizar de um sonho adolescente: ser barista por um dia. Vou poder cozinhar no meu novo trabalho, mesmo que seja só por umas semanas, ganhar o suficiente para viver e sair antes de o dia acabar num sítio adorável no centro de Brighton, os Kensington Gardens. A felicidade depende pouco das circunstâncias -- Ortega y Gasset discordaria, mas não consta que fosse feliz. O homem é ele, a sua circunstância que se lixe.

A seguir gostava de ir para Palma de Maiorca cantar com o G., que conheci em Antígua. G. não gosta de trabalhar e por isso canta e toca guitarra (bastante bem, por sinal). Eu também não gosto de trabalhar e G. inspira-me por isso. Vejo-me a fazer o mesmo, um dia: trabalhar sem trabalhar, diminuir essa obrigação fazendo algo de que gosto. O único senão é que até para não trabalhar é preciso trabalhar, mas como diria Lutero «o trabalho nunca matou ninguém» (correcções à citação são muito bem-vindas).

No, we cannot cling to the old dreams anymore. Venham os novos (e os velhos, mas que nenhum me dê conselhos).




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