"O país é vosso, façam dele uma lixeira, se quiserem". Estou num dos sítios mais bonitos de São Luís, encontrado anteontem, se tanto. É uma esplanada à beira-rio que eu pensava estar aberta só à noite, mas não: abre às cinco da tarde.
A vista é sublime. A baía de São Marcos abre-se ao pôr-do-sol como uma flor cor-de-laranja, cortada por uma vela ou duas, uma canoa, uma biana. O continente (São Luís é uma ilha) não está muito longe, mas quase não se vê, porque é baixo e por causa da evaporação. A esplanada esta rodeada por um relvado, apinhado de lixo: copos vazios, garrafas, guardanapos. Pedir à senhora para me deitar fora um minúsculo saquinho de plástico transparente parece-lhe um absurdo.
É. "Mas é feio, isso tudo cheio de lixo". Ela encolhe os ombros. "O país é vosso..." Ela leva o saco para dentro.
O Nordeste brasileiro é uma imensa lixeira, insuportavelmente ruidosa, nalguns dos locais mais belos do mundo. É uma permanente contradição. Talvez afinal eu não seja tão esquizofrénico como pensava: para gostar disto há que ter uma personalidade dividida em dois, uma das quais totalmente cega, surda e sem olfacto.
Estava para me ir embora amanhã, mas já não vou. Fico mais uns dias. Pessoalmente acho indecente, mas fui eu que aceitei, ou quis, não sei. Acho-me indecente, é o que é. Quero ir-me embora, quero ir ter contigo, quero um trabalho como deve ser, quero navegar, quero que a minha vida se transforme, de repente, num largo rio tranquilo. Dir-me-ás que não faço nada por isso e terás razão; mas também não fiz nada para que fosse este curso de água turbulento, agitado, irrequieto que é. Há pessoas que definem vidas, e vidas que definem pessoas; ainda não sei - é grave, aos cinquenta e quatro anos - em qual dessas categorias estou.
Já me despedi da Rosa; vou ter de voltar atrás. A única coisa que detesto mais do que reencontrar alguém de quem já me despedi é reentrar no porto que acabo de deixar. Foi a única pessoa de quem me despedi, verdade seja dita. É ela que me dá de beber quando acordo da sesta e vou acompanhar uma cerveja com três reais de castanha salgada. É uma tarefa nobre, bonita, apesar das pilhas de cadeiras de plástico, apesar das mesas de plástico, da música de plástico. A Tia Amélia (mãe da Rosa) e a esplanada cujo nome desconheço à beira rio são os meus locais, agora. E continuarão a ser.
Gosta da razão que me faz cá ficar: é uma tarefa de sedução. Talvez tenhas razão. Talvez não: preciso de seduzir a vida, todos os dias, mais do que pessoas. Mesmo sabendo que a vida é feita de e por pessoas. Não são elas que puxam por mim; é ela. Seduzir a vida é uma vida em si; deixar-se seduzir por ela outra. Gosto das duas.
A vista é sublime. A baía de São Marcos abre-se ao pôr-do-sol como uma flor cor-de-laranja, cortada por uma vela ou duas, uma canoa, uma biana. O continente (São Luís é uma ilha) não está muito longe, mas quase não se vê, porque é baixo e por causa da evaporação. A esplanada esta rodeada por um relvado, apinhado de lixo: copos vazios, garrafas, guardanapos. Pedir à senhora para me deitar fora um minúsculo saquinho de plástico transparente parece-lhe um absurdo.
É. "Mas é feio, isso tudo cheio de lixo". Ela encolhe os ombros. "O país é vosso..." Ela leva o saco para dentro.
O Nordeste brasileiro é uma imensa lixeira, insuportavelmente ruidosa, nalguns dos locais mais belos do mundo. É uma permanente contradição. Talvez afinal eu não seja tão esquizofrénico como pensava: para gostar disto há que ter uma personalidade dividida em dois, uma das quais totalmente cega, surda e sem olfacto.
Estava para me ir embora amanhã, mas já não vou. Fico mais uns dias. Pessoalmente acho indecente, mas fui eu que aceitei, ou quis, não sei. Acho-me indecente, é o que é. Quero ir-me embora, quero ir ter contigo, quero um trabalho como deve ser, quero navegar, quero que a minha vida se transforme, de repente, num largo rio tranquilo. Dir-me-ás que não faço nada por isso e terás razão; mas também não fiz nada para que fosse este curso de água turbulento, agitado, irrequieto que é. Há pessoas que definem vidas, e vidas que definem pessoas; ainda não sei - é grave, aos cinquenta e quatro anos - em qual dessas categorias estou.
Já me despedi da Rosa; vou ter de voltar atrás. A única coisa que detesto mais do que reencontrar alguém de quem já me despedi é reentrar no porto que acabo de deixar. Foi a única pessoa de quem me despedi, verdade seja dita. É ela que me dá de beber quando acordo da sesta e vou acompanhar uma cerveja com três reais de castanha salgada. É uma tarefa nobre, bonita, apesar das pilhas de cadeiras de plástico, apesar das mesas de plástico, da música de plástico. A Tia Amélia (mãe da Rosa) e a esplanada cujo nome desconheço à beira rio são os meus locais, agora. E continuarão a ser.
Gosta da razão que me faz cá ficar: é uma tarefa de sedução. Talvez tenhas razão. Talvez não: preciso de seduzir a vida, todos os dias, mais do que pessoas. Mesmo sabendo que a vida é feita de e por pessoas. Não são elas que puxam por mim; é ela. Seduzir a vida é uma vida em si; deixar-se seduzir por ela outra. Gosto das duas.
Gosto muito, muito, muito
ResponderEliminarDeixe-me dar um palpite: acho que o Luís está nas duas categorias.
Que bom é continuar a ler as suas crónicas. Ainda bem que o Pingo Doce não faz campanha todos os dias, senão não tenho crónicas :)
Desculpe, Helena, só agora vi o seu comentário. Obrigado :-)
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