quinta-feira, 10 de maio de 2012

Belém, Pará, Brasil, 10-05-2012

Belém, finalmente. A cidade é maior, mais bonita e mais limpa (o que não significa que seja limpa - é menos suja) do que São Luís, e infinitamente mais interessante. Vim para o hostel onde fiquei quando por cá passei em 2010. O homem reconheceu-me, o que me parece surpreendente.

Hoje já fui dar um passeio, tirar-me de São Luís, ou tirá-la de mim. A saída foi digna dos meus tempos aúreos das viagens de avião. Uma vez telefonei para um check in a pedir-lhes para não fecharem, que estava quase a chegar. Não estava: ia no metro a caminho de Heathrow. Prometo que a senhora não se mostrou surpreendida; não devo ter sido o primeiro a fazê-lo. Tambem não me lembro de reacções especiais nos meus vizinhos. Se calhar eram ingleses, como a hospedeira com quem falei. E sim, o check in estava aberto.

Hoje de manhã foi assim, excepto que teria sido impossível ligar para o balcão, claro. em Londres telefonei para as infomações, pedi o número do aeroporto e ecco.  Aqui só teria falado com as informações depois de o avião aterrar em Belém. Saí da pousada uma hora e cinco minutos antes da descolagem, ou seja cinco minutos antes da hora à qual devia chegar ao aeroporto. O trajecto dura vinte minutos, aproximadamente, portanto nessa altura ainda não estava muito ansioso.

Mas o trânsito em São Luís estava pior do que o costume; a caminho do aeroporto houve um acidente... Enfim, passo os pormenores: a verdade é que consegui embarcar. Cheguei ao balcão quando a senhora se preparava para o fechar. Pouco mais de uma hora depois estava em Belém e, para minha grande surpresa, a bagagem também.

De maneira só precisei de tirar de mim a ansiedade de hoje e o mês e pouco que ficou para trás. Foi fácil. Perto do hostel há um jardim grande e bonito, clássico (e que à noite se transforma no ponto de encontro de muitos jovens e afectuosos senhores, mas passons); percorri-lhe as alamedas, largas, claras; e em menos de um quarto de hora estava em Belém, finalmente.

Faltam dois dias e meio para me ir embora. Vou andar muito, de novo. Lembro-me bem dos passeios que por aqui dei, sempre bonitos, fascinantes, intrigantes. Nunca tinha visto ruas arborizadas com mangueiras, por exemplo. Lembro-me do mercado de Ver-o-peso, perto do qual assisti a uma repugnante cena de abutres (ou outra qualquer espécie necrófaga) a disputar uma quantidade enorme de peixe morto; dos restos de um antigo porto transformado em vasto espaço de lazer e onde um simpatiquíssimo senhor faz um delicioso chocolate artesanal.

Belém é a cidade mais importante da foz do Amazonas e tem-se nela a permanente sensação de que estamos a ver pouco mais do que uma porta entreaberta. Por trás - e para trás - de tudo o que se vê há - e houve - coisas de cuja existência só se vêem breves e fugazes sinais. Descobri-las, decifrá-las, seria tarefa para muito mais do que três dias; o melhor é mergulhar no mistério e nele nadar sem grandes preocupações, se não a de manter os olhos abertos e percorrê-lo o mais possível.

No hostel havia duas alemãs, jovens, que davam aulas numa universidade local. Eram professoras de alterações climáticas. Até as encontrar eu pensava que na universidade havia aulas sobre clima, e nessas aulas se estudavam as respectivas alterações; mas não. São um objecto de estudo de per se. Disse-lhes que era um bocadinho céptico a respeito das alterações - ou, melhor, das suas causas. Uma delas era alta, magra e bonita; a outra parecia o resultado de um cruzamento entre um camionista e um bulldog. Um dia convidei a mais bonita para jantar; olhou-me desconfiada, mas eu garanti-lhe que o objectivo era conversar um bocado e passar um bom momento, nada mais. Fomos a um sítio muito giro, perto daqui, chamado Babette (não tenho uma boa memória: vi o nome há pouco). Acedeu; a outra não rosnou, pelo menos em público.

Defendiam as duas que a maioria das pessoas é céptica em relação às alterações climáticas; viam o trabalho delas como uma cruzada (um bocadinho dificultada pelo facto de estarem fartas do Brasil e dos brasileiros até à medula, mas isso é outra história). Fiquei surpreendido; disse-lhes que não era essa a ideia que eu tinha: "se perguntarmos a cem pessoas na rua, aposto que noventa e cinco acham que o clima está a mudar, e que os homens são os culpados". "Nada disso, etc." (passo os pormenores, são de todos conhecidos). A baixa era a mais agressiva das duas. Depois do jantar esperou-nos na sala; devolvi-lhe a simpática amiga e fui deitar-me. Pouco mais falámos, até eu me ir embora.

A próxima etapa é Pointe-à-Pitre, na Guadeloupe, uma cidade que não conheço; vai ser bom rever V. e R., se tiver oportunidade disso. Foram eles que nos rebocaram, à Lena e a mim, quando trazíamos o A. de Grenada para Antigua e se partiu um vau (os dois vaus estavam partidos, mas eu não sabia. O dono do barco não achou necessário dizer-mo). Passámos quatro horas no dinghy a rebocar o barco até que a SNSM chegou. R., o skipper fez a mais bonita manobra de atracação que jamais me foi dado ver, comigo de braço dado e trinta centímetros entre nós e as embarcações atracadas aos pontões da marina.

Um regresso que se vai fazendo saltando de memória em memória, a caminho de um futuro do qual se vê uma frincha, uma pequeníssima frincha. Que interessa? O futuro é um buraco negro, vamos lá parar quer queiramos quer não.

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