segunda-feira, 14 de maio de 2012

Le Gosier, Guadeloupe, Antilhas Francesas, 13-05-2012

Bye bye Brazil? Eu já devia saber que no Brasil qualquer tentativa de gastar menos dinheiro resulta invariável e inevitavelmente em duas coisas: a) gastar muito mais do que o custo inicial e b) perder uma quantidade de tempo completamente desproporcionada quer com o custo inicial quer com o custo depois da "poupança".

Em São Luís lembrei-me de que estava no último dia do meu visto de turista e por conseguinte era necessário prolongá-lo. Como sempre estas coisas acontecem à última da hora do dia da partida. Apanhei um táxi e aí fui, a chicotear o motorista como num filme de cowboys. O trânsito naquele dia estava realmente infernal e demorei uma eternidade a chegar; pelo sim pelo não pedi ao senhor para me esperar, porque não sabia quanto tempo ia demorar e não queria arriscar-me a ficar sem transporte para a volta.

O processo foi de uma rapidez tal que eu devia ter desconfiado. O agente da Polícia Federal, onde estas coisas se tratam, perguntou-me quando é que eu saía do Brasil, eu disse "amanhã [sexta-feira] ou domingo", ele respondeu "então é melhor pagar a multa, porque se eu lhe fizer agora o prolongamento você vai pagar muito mais", eu perguntei "quanto é a multa?" "oito reais por dia" "e o visto?" "sessenta e sete reais" e eu pensei nos sessenta euros de táxi que ia pagar, mai-los sessenta e sete reais de visto e pensei "vou pagar a multa". Mas manda a verdade que antes de tomar essa decisão estive vai não vai para dizer ao senhor "não, eu prefiro pagar a multa"; mas depois pensei "porra, com um bocadinho de sorte ainda me vou embora amanhã e se calhar nem pago nada ou então pago oito reais e na pior das hipóteses pago vinte e quatro" e disse "ok, obrigado, nesse caso pago a multa".

Em Belém fui fazer o check in e a senhora disse-me que eu tinha de ir à Polícia Federal porque tinha excedido a estadia e eu disse que sim claro e ela sorriu "eu fico com o seu cartão de embarque porque só lho posso dar depois de você ter regularizado a situação" ao que respondi "não faz mal é sempre um prazer rever uma senhora bonita" e ela sorriu outra vez e eu fui à Polícia Federal, que é na outra extremidade do aeroporto. Quando lá cheguei o agente da Polícia Federal, a simpatia em pessoa disse-me que só podia fazer os trâmites depois de eu ter o check in feito e que tinha de ir buscar o cartão de embarque; eu expliquei-lhe que a senhora etc. e tal e ele respondeu tal e etc. e eu fui buscar o cartão de embarque.

Quando regressei iniciou-se um diálogo exploratório: eu queria saber exactamente as alternativas todas e as alternativas são de uma simplicidade aterradora, a saber:

a) "Só há dois sítios onde pode pagar, um banco e a lotérica" [mas hoje é domingo e estão fechados];
b) "Pode pagar no seu país se no país onde vive existir um Banco do Brasil" [não vivo em país nenhum, mas em algum por onde passarei qualquer dia haverá decerto uma agência do Banco do Brasil];
c) "Pode regressar ao Brasil e pagar na entrada, mas vai ser uma complicação muito grande, o seu passaporte vai ficar retido e vai ter de ir pagar" [e eu imaginei-me logo a viver uma de Catch 22 tipo não pode entrar no Brasil enquanto não pagar e não pode pagar porque não pode entrar no Brasil].

Bom, seja como for é preciso fazer o auto e o senhor agente, que é, insisto, de uma simpatia arrebatadora pergunta-me o nome do pai, da mãe e a morada. "Qual morada, a minha ou a dos meus pais [o meu pai já morreu, mas não lhe vou dizer isso porque não quero introduzir mais energia no sistema]. "A sua". Dou a do Reef Gardens, de qualquer forma foi a última e quem me dera fosse a próxima em breve.

Três quartos de hora depois - não é uma imagem, na realidade foi um bocadinho mais de três quartos de hora o senhor agente apresenta-me cinco ou seis folhas de papel para assinar. Havia um termo de notificação, um auto de infracção (cada um destes em dois exemplares, um GRU - Guia de Recolhimento da União - e (na mesma folha) um recibo.

Uma vez assinados estes papéis o senhor agente teve de pedir a três colegas, dois dois quais que por milagre tinham acabado de entrar no escritório da Polícia federal, para assinarem também, porque o auto e o termo requerem quatro assinaturas - uma do agente que os faz e três testemunhas.

Na posse dos papéis todos ele, senhor agente diz-me "agora quando pagar ande sempre com o recibo" e eu digo-lhe "sim, claro" mas faço uma cara de estranheza, pois se aquilo está pago e ele lê a minha expressão e diz "é que isto não é pagar e depois fica liberado. Ainda leva dois meses, ou três, às vezes um ano para sair do sistema". Perguntei-lhe como é que é possível e ele fez uma cara de sofrimento e explicou-me que aquilo ia para Brasília e etc. e tal. "e durante um ano o seu nome vai ficar aqui nos sistema como tendo excedido a estadia".

O montante da multa é vinte e quatro reais, aproximadamente nove euros.

E quem não acreditar nisto pode ir ao site do Banco do Brasil e tentar encontrar uma cotação de câmbio. O percurso até se chegar à dita cotação é um monumento à incompetência, à doença mental, só um doente é capaz de organizar um percurso como aquele num site.

Bye bye Brazil? Não tão depressa, meu caro.

Durante um ano vou ter de andar com o recibo no passaporte (isto admitindo que um dia encontrarei onde pagar a malfadada multa, não vá dar-se o caso de ter que cá voltar, coisa que espero do fundo dos meus fundos não aconteça, pelo menos tão cedo para já).

O Brasil é uma gigantesca anedota, é uma potência mundial no campeonato do absurdo, e se isto é a quinta potência mundial eu sou a Miss Galáxia. E, ainda por cima, não é o meu país. Porque quando nós andávamos a dar cartas neste campeonato - e Deus sabe que demos e ainda damos muitas, Simplex ou não - eu pelo menos no meu país posso gritar esbracejar e ser sarcástico e lixar-me ainda mais por causa disso, mas que se lixe, fodido por fodido pelo menos que dê um bcadinho de gozo. Aqui não posso, claro, é comer e calar e agradecer ao senhor agente a simpatia.

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É fácil perceber a alucinante variação dos preços do bilhete na Air Caraïbes. Quando reservei o lugar, quinta-feira ao fim da tarde, havia, num avião de cem lugares, pouco menos de vinte ocupados; quando saímos, no Domingo, havia trinta livres. Cinquenta lugares vendidos em dois dias.

Em Cayenne o voo enche. Há duas escalas: uma em Cayenne, outra em Fort-de-France. Esta deixa-me um certo engulho, porque podia ter passado a noite na Martinique em vez de Guadeloupe. Enfim, não é uma tragédia. A verdade é boa e é que continuo sozinho na minha saída de emergência, com espaço para as pernas, para dormir e para ir para a janela quando levantamos ou aterramos. Podia ser infinitamente pior.

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A chegada à civilização não foi exactamente como eu tinha esperado. Por causa de uma conjunção azarenta entre o meu desinteresse por dinheiro e a minha por vezes excessiva generosidade (excessiva em relação às minhas posses, claro; porque o pessoal da Pousada Portas da Amazónia, onde passei um mês e quase meio, merecia muito mais do que o que eu lá deixei de gorjeta) cheguei à Guadeloupe com muito pouco dinheiro. Na minha cabeça as coisas passar-se-iam assim: um terço para o táxi, um terço para o jantar e um terço de reserva.

O táxi começou por me levar ao hotel mais longe do aeroporto que conhecia; o qual estava fechado. O seguinte também estava fechado; o terceiro exigiu o pagamento à chegada, pelo que tentei um quarto hotel. Neste - já a factura ia a mais de metade das minhas magras disponibilidades - disse-lhe para me deixar.

Mas a senhora da recepção foi inflexível: só dorme depois de pagar. Estava a ver-me a andar para trás no tempo, para aqueles tempos em que dormíamos num barco qualquer  da marina porque éramos novos e aquilo fazia parte do zeitgeist (enfim, do nosso zeitgeist. Não tenho a certeza de que os armadores o partlhassem a cem por cento).

Ainda por cima estava vesgo de fome. Desisti de tentar convencer a senhora da recepção (gostaria que houvesse um inferno só para poder desejar que ela lá ardesse até ao Armaggedon) e fui jantar. Já era tarde (quase onze da noite, o que para estas bandas é tardíssimo, tanto mais agora que estamos na época baixa).

Foi aqui que as coisas começaram a compor-se. Nada corre bem quando estamos com o estômago vazio. O jantar foi um colombo de frango ligeiramente inferior ao meu, mas mesmo assim muito bom. E depois tudo foi ao lugar: graças à colaboração da metade pensante de mim consegui encontrar um hotel que me acolheu sem pré-pagamento; o jovem do restaurante onde jantei deu-me boleia até à porta do dito e abençoado hotel; e - oh bondade divina! - o quarto é esplêndido.

Prometi ao jovem Jonathan que amanhã voltava a almoçar no seu restaurante; agradeci mil vezes a Ronald, o recepcionista do Canella Beach Hotel (e amanhã deixo-lhe uma gorjeta, de menor envergadura do que a da Pousada, mas que o não fará arrepender-se de me ter acolhido). E agora vou dormir, porque gosto muito de montanhas russas mas das a sério, não das metafóricas que se escondem num dia para nos fazer pensar que os contabilistas e os funcionários internacionais talvez não estejam completamente errados.

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