Brighton, Londres, Lisboa, Portimão, Vila Real de Sto. António, Cádiz, Barbate... As cidades passam como se estivéssemos num comboio: descemos para uns passeios no cais, espreitamos o café do outro lado da rua, e ala que o apito toca.
Em Londres não foi bem assim, verdade seja dita. Uma ida ao Globe, jantar num restaurante etíope, passear no British Museum, jantar tardio em Chinatown, passear à beira do Tamisa é mais do que espreitar o café do outro lado da rua. E Lisboa também não: por muito de passagem que se esteja, nunca se está de passagem na nossa casa. Uma casa da qual não se conhecem todas as divisões, claro. Fui pela primeira vez ao café Zazou, uma sala que ainda não conhecia mas que a partir de agora vai fazer parte do roteiro.
A passagem do cabo Trafalgar foi memorável. Três nós de corrente a favor, vinte de vento contra, uma passagem estreita, muito estreita, com mar a rebentar a estibordo e terra a bombordo. Que pena tenho de quem tem medo; e que inveja tenho do medo: é a mais ditatorial das emoções, sobrepõe-se a todas as outras. Quem tem medo ganha sempre (enfim, quase sempre).
Agora estamos em Barbate, uma escala que vai ser mais longa do que as outras porque precisamos de fazer uma reparação que exige pôr o barco em seco. Sabe bem, esta pausa. Barbate é o primeiro sinal de Sul que vemos: uma praia cheia às sete da noite, palmeiras, calor, calor, calor. Que bom é o calor à beira-mar.
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Voltar a Lisboa como se não tivesse nascido em Lisboa. E a Portugal como se já não vivesse lá -- e é verdade que não vivo, não vivo em lado nenhum. Voltar a casa é outra coisa, aos braços dos meus pais e avós, aos sorrisos dos meus irmãos, às sardinhas assadas e saladas de pimentos, ao pão com manteiga e ao café com leite. Ainda assim, sete meses não bastaram para que queira voltar. Essa coisa da crise sente-se no ar como o mar aqui tão perto, que não se vê, de tão escuro que se pôs. «Claro que não é tarde, aqui em Espanha janta-se às 23.» Eu não estou em crise; estou em trânsito. Sou, sem me dar conta, dos lugares onde estou. E quero ser de cada vez mais.
Não vi a passagem do Cabo Trafalgar. Com o sono que tinha, nem Trafalgar Square me manteria acordada. Desabituei-me de quartos nocturnos, mas quero mais - neste último que fiz vi uma estrela cadente e um pássaro mágico. Hoje apanhei um escaldão que se transformará em bronze a limpar S., um barco confortável e bom de manter de um ponto de vista feminino: pequeno, novo, limpo a priori. A armadora F. é adorável, divertida, belíssima anfitriã. Lamento muito a sensação que tenho de que não vamos cumprir o nosso objectivo: fazê-la gostar de navegar. Como pode ser que a coragem e generosidade que demonstra -- tentar acompanhar o marido numa coisa que ela detesta e ele adora -- sejam menos implacáveis do que o seu medo?
Não sei se é do calor, se da viagem (simples, fácil, quase férias), mas hoje o meu futuro é hoje (pleonasmo propositado). Às vezes surge-me más adelante e sopro-lhe, mando-o passear. A felicidade é uma coisa simples, desde que não se defina. Tudo é simples, desde que não se defina.
(Post a duas mãos. Amanhã há mais.)
Em Londres não foi bem assim, verdade seja dita. Uma ida ao Globe, jantar num restaurante etíope, passear no British Museum, jantar tardio em Chinatown, passear à beira do Tamisa é mais do que espreitar o café do outro lado da rua. E Lisboa também não: por muito de passagem que se esteja, nunca se está de passagem na nossa casa. Uma casa da qual não se conhecem todas as divisões, claro. Fui pela primeira vez ao café Zazou, uma sala que ainda não conhecia mas que a partir de agora vai fazer parte do roteiro.
A passagem do cabo Trafalgar foi memorável. Três nós de corrente a favor, vinte de vento contra, uma passagem estreita, muito estreita, com mar a rebentar a estibordo e terra a bombordo. Que pena tenho de quem tem medo; e que inveja tenho do medo: é a mais ditatorial das emoções, sobrepõe-se a todas as outras. Quem tem medo ganha sempre (enfim, quase sempre).
Agora estamos em Barbate, uma escala que vai ser mais longa do que as outras porque precisamos de fazer uma reparação que exige pôr o barco em seco. Sabe bem, esta pausa. Barbate é o primeiro sinal de Sul que vemos: uma praia cheia às sete da noite, palmeiras, calor, calor, calor. Que bom é o calor à beira-mar.
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Voltar a Lisboa como se não tivesse nascido em Lisboa. E a Portugal como se já não vivesse lá -- e é verdade que não vivo, não vivo em lado nenhum. Voltar a casa é outra coisa, aos braços dos meus pais e avós, aos sorrisos dos meus irmãos, às sardinhas assadas e saladas de pimentos, ao pão com manteiga e ao café com leite. Ainda assim, sete meses não bastaram para que queira voltar. Essa coisa da crise sente-se no ar como o mar aqui tão perto, que não se vê, de tão escuro que se pôs. «Claro que não é tarde, aqui em Espanha janta-se às 23.» Eu não estou em crise; estou em trânsito. Sou, sem me dar conta, dos lugares onde estou. E quero ser de cada vez mais.
Não vi a passagem do Cabo Trafalgar. Com o sono que tinha, nem Trafalgar Square me manteria acordada. Desabituei-me de quartos nocturnos, mas quero mais - neste último que fiz vi uma estrela cadente e um pássaro mágico. Hoje apanhei um escaldão que se transformará em bronze a limpar S., um barco confortável e bom de manter de um ponto de vista feminino: pequeno, novo, limpo a priori. A armadora F. é adorável, divertida, belíssima anfitriã. Lamento muito a sensação que tenho de que não vamos cumprir o nosso objectivo: fazê-la gostar de navegar. Como pode ser que a coragem e generosidade que demonstra -- tentar acompanhar o marido numa coisa que ela detesta e ele adora -- sejam menos implacáveis do que o seu medo?
Não sei se é do calor, se da viagem (simples, fácil, quase férias), mas hoje o meu futuro é hoje (pleonasmo propositado). Às vezes surge-me más adelante e sopro-lhe, mando-o passear. A felicidade é uma coisa simples, desde que não se defina. Tudo é simples, desde que não se defina.
(Post a duas mãos. Amanhã há mais.)
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