segunda-feira, 22 de abril de 2013

Puerto Vallarta, Jalisco, México, 22-04-2013

Foi uma tripulação feliz, unida, motivada que atracou o ARCTIC FRONT na Marina Vallarta e, depois da limpeza geral e aprofundada da embarcação, festejou no bar da piscina do Hotel Flamingo a chegada a Puerto Vallarta, onde vai permanecer três ou quatro dias, enquanto esperava mutuamente que o duche único fosse sendo utilizado à vez. Celebração essa digna e respeitosamente efectuada com várias rodadas de Margueritas gigantes (faltava sempre um para o cheers).

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A viagem correu como é habitual: muito vento e pouco vento, algumas avarias e algumas reparações, muito cansaço e muito descanso, boa comida, um atum apenas. Nunca serei um grande pescador, nada a fazer.

As pessoas fazem uma ideia errada do que é viajar numa embarcação de vela: o que a torna apaixonante, inescapável, mágica é a simplicidade. Uma bomba avaria e nós reparamos, o paiol de ré mete água em grande e nós colmatamos (esta foi mesmo à saída, debaixo da Golden Gate Bridge), o vento muda e mudamos com ele, a adriça da grande parte-se e navegamos dois dias só com a genoa (não era preciso mais pano, de qualquer forma) e aportamos na ilha Guadaloupe, o vento cai e esperamos um bom bocado antes de arrancar com o motor, um navio em rota de colisão e desviamos.

Coisas simples, puras como beber quando se tem sede ou comer quando se tem fome.

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A primeira terra mexicana que vi foi a Isla de Guadeloupe. Um bocadinho irónico, porque tem o nome da única ilha das Caraíbas de que não gosto muito. 

A Isla de Guadeloupe parece um pedaço de lua que caíu ali por acaso, e os selenitas não se deram ao trabalho de vir buscar. 

Somos recebidos por três marinheiros da marinha mexicana, três encarnações da simpatia, que nos propõem ajuda, nos dizem que se precisarmos de um mecânico, que e que e mais. Têm pouco que fazer, por um lado; e - vejo agora - são mexicanos, um povo que tem o sorriso fácil e a simpatia à flor de pele, se um galicismo me é permitido.

Estamos fundeados numa baiazinha minúscula, e a meia dúzia de metros centenas de focas e leões marinhos fazem um chinfrim infernal; um golfinho enorme vem inspeccionar-nos - talvez estejamos no seu território, não sei. 

A reparação da adriça foi uma rapidinha como eu gosto. Se estive dez minutos no galope do mastro foi muito.

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 Não gosto particularmente de fazer leme.  (Antigamente dizia-se governar, mas agora caíu em desuso, pelo menos em Portugal. No Brasil ainda se diz. É pena. Permitia analogias interessantes entre o homem do leme e o governo, por exemplo: ambos são tanto melhores quanto menos governam.)

Mas há momentos de graça quando se governa uma embarcação: aquele em que a temos na mão, por exemplo, como um cavaleiro tem um cavalo em mão. "É como se ela te obedecesse ao olhar", diz-me R. ao ver o leme quase imóvel (ela é um preciosismo da minha parte, claro, um erro. Em português referimo-nos aos barcos no masculino). Erro propositado: ele fala e penso que uma embarcação não obedece, tal como as mulheres que amamos. Como amar uma mulher que nos obedece?

Uma embarção nao obedece. Quem pensa que vai para o mar, como para o amor, mandar deve desenganar-se. Uma embarcação não obedece, tal como uma mulher não deve obedecer. O termo a utilizar é harmonia. Harmonia. Tanto no mar como no amor.

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Hoje - 16 de Abril - pescamos o nosso primeiro peixe. Um atum. São os mais fáceis de apanhar, de tão vorazes. Vou fazê-lo cozido hoje, e de cebolada amanhâ. A tripulação estranha. Mas depois, regra geral, gosta. Devíamos exportar este método de cozinhar peixe, tanto como os pastéis de nata. Sai-se de Portugal e ninguém ouviu jamais falar em peixe cozido.

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Há qualquer coisa de profundamente securizante no mar: os espectros assombram-nos os quartos e roubam-nos o descanso e apesar disso sentimo-nos bem, quase felizes. 

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